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Segundo dia de webinário sobre direitos das minorias aponta caminhos para superação de preconceitos

Evento é promovido pelo Comitê Gestor da Igualdade de Gênero, Raça e Diversidade do TRT-13
publicado: 31/05/2022 15h28 última modificação: 02/06/2022 12h00

O segundo e último dia do webinário “Direito das minorias e discriminação por gênero, raça e orientação sexual” aconteceu na manhã desta terça-feira (24), com discussões em torno de temas como racismo, LGBTfobia, identidade de gênero e discriminação sob a perspectiva do mercado de trabalho e do Poder Judiciário. O evento é promovido pelo Comitê Gestor da Igualdade de Gênero, Raça e Diversidade do Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba (13ª Região) em parceria com a Escola Judicial (Ejud13).

O seminário tem como objetivo refletir sobre as diferentes formas de discriminação na sociedade e no mundo do trabalho e sobre como o sistema de Justiça pode atuar para garantir igualdade de oportunidades a todos, sem preconceitos de gênero, raça, orientação sexual e identidade de gênero. O primeiro dia do webinário, realizado no dia 24 de maio, chegou a contar com a presença de 130 pessoas simultaneamente.

Na abertura do evento de hoje, às 8h30, o juiz de direito do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJ-SE) e professor de Direitos Humanos e Políticas Raciais na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), Edinaldo César, apresentado pela juíza do TRT-13, Rosivânia Gomes, ministrou a palestra intitulada “População negra: da invisibilidade ao protagonismo social”, na qual apresentou a forma como a sociedade brasileira se estruturou a partir da segregação racial e apontou caminhos para se desvencilhar desse histórico de opressão.

“Quando falamos de questões raciais, falamos de algo que atinge diretamente as populações negras, mas é um problema de todos nós. Precisamos aprender a viver na diferença. É preciso sair de uma leitura eurocêntrica, termos uma leitura decolonial do mundo, que o enxerguemos sob lentes raciais, de gênero, de classe. Toda vez que decidimos e agimos, partimos de algum lugar, e a própria imparcialidade exige que utilizemos essas lentes”, destacou.

Durante sua fala, o juiz apresentou definição de conceitos importantes como o racismo estrutural e também explicou porque “racismo reverso” é um termo que não se sustenta se o analisarmos com atenção. “É uma incongruência semântica. Quando falamos de reverso, estamos falando de tudo o que é atípico. É dizer que existe um racismo típico ou normal, não pode existir um tipo normal de racismo. A segunda questão é a impossibilidade fática. Para que houvesse racismo reverso, brancos precisariam ter passado por 388 anos de escravização de pessoas brancas, de desumanização dessas pessoas, para que o racismo existisse de maneira reversa. É uma tentativa de deslegitimar uma luta de anos contra a opressão que pessoas negras tiveram neste país”, salientou Edinaldo César.

Após sua explanação, deu-se início ao terceiro painel do webinário, às 10h30, com o título “O mercado de trabalho e a discriminação contra a população LGBTQIAP+”. Antes de passar a palavra para os palestrantes, o mediador, juiz do TRT-13, André Machado Cavalcanti, fez uma conexão entre a fala do juiz Edinaldo e o tema do painel. “Evidencio a importância para a comunidade LGBTQIAP+ ouvir um negro falar de suas dores. Muitos de nós, homossexuais, escondem sua condição por toda a vida, de uma maneira que adoece e nos dói. Ainda assim, é uma opção. Os negros não têm essa opção, elas encaram de frente essa dor”, enfatizou.

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Edinaldo César, juiz de direito do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJ-SE)

Direitos dos trabalhadores

Logo após este breve aparte, entrou em cena a juíza do trabalho do TRT da Bahia (5ª Região), Silvia Isabelle Ribeiro Teixeira do Vale, discutindo uma das temáticas que perpassa o combate à discriminação por gênero, raça e sexualidade: o ônus da prova nas ações discriminatórias. Na sua argumentação, ela questiona determinadas posturas apresentadas em decisões judiciais, que defendem que o Poder Judiciário não teria responsabilidade na proposição de políticas afirmativas de inclusão de gênero, raça e sexualidade ou no combate a preconceitos.

Apresentando um contexto histórico e jurídico com decisões que moldaram o entendimento em relação a preconceitos e discriminações dentro do mercado de trabalho, a magistrada elenca casos na jurisdição dos Estados Unidos e de países europeus, mas também chama a atenção para sentenças brasileiras, como um caso de 2005, que não levava em consideração levantamentos estatísticos que tornavam flagrante a discriminação de trabalhadores no mercado de trabalho.

“A Súmula 443 do TST trata do ônus da prova, afirmando que compete ao empregador justificar a demissão de um funcionário, evitando que isso aconteça por razão de doença grave que cause estigma ou preconceito. Do meu ponto de vista, o empregador precisaria justificar toda e qualquer demissão, pois há uma forma de preconceito velado, mais insidioso, que atinge trabalhadores de minorias”, alertou a juíza do trabalho.

Nesta mesma decisão de 2005, o inciso III afirmava que o Poder Judiciário não podia atuar como legislador positivo para implementar ações afirmativas de “cotas” ou metas para correções das disparidades estatísticas, posição que a magistrada discorda. “Nós temos diversos casos em que o Judiciário age como legislador positivo em várias hipóteses, a exemplo do casamento igualitário ou da criminalização da homofobia. No entanto, ainda há um grande conservadorismo no que diz respeito ao direito dos trabalhadores”, pontuou Silvia.

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Sexo, sexualidade, orientação e identidade

O professor Direito Civil da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Leandro Reinaldo da Cunha, entrou na sequência com o propósito de fazer uma reflexão sobre a forma como a identidade de gênero ainda é um tema delicado e que precisa ser abordado sob a perspectiva do mercado de trabalho.

Antes, Leandro apresentou as questões envolvendo sexualidade, um guarda-chuva que abarca quatro elementos básicos: sexo, gênero, orientação e identidade de gênero. “A identidade de gênero é uma das menos debatidas na nossa sociedade em comparação às outras. É uma discussão que merece atenção especial”, completou o professor.

Em linhas gerais, sexo diz respeito à configuração biológica das pessoas, em uma divisão binária entre homem/macho e mulher/fêmea. “Não é possível esquecer a condição do intersexo, que tem 2% da população brasileira”, destacou. O gênero já diz respeito a uma representação social, vinculada a masculino e feminino, mas também expansível a conceitos como agênero, não-binário, andrógino e várias condições.

A orientação sexual é definida pela atração afetivo-sexual. Há cinco grandes blocos, heterossexual, homossexual, bissexual, assexual e pansexual. Já a Identidade de gênero é vinculada à percepção ou pertencimento do indivíduo em relação a um gênero, independente do sexo que lhe foi atribuído em seu nascimento. “Transgênero é uma expressão guarda-chuva, que abrange outros conceitos. Quando falo de transgênero, penso em alguém que não se identifica com aspectos, atitudes, comportamentos ou papéis ordinariamente a ele atribuídos em razão do sexo que lhe foi designado em seu nascimento e do gêneroesperado em razão disso”, afirmou o professor Leandro Cunha.

A partir destas definições, ele destacou que pessoas trans e travestis encontram maior dificuldade na inserção no mercado de trabalho por conta do que se chama de passabilidade. “A passabilidade é quando a pessoa que já transicionou ou encontra-se em processo de transição é enxergada pelos outros como pertencente ao gênero com o qual se identifica. Pessoas trans que não tenham um alto grau de passabilidade não conseguem ‘esconder’ a transição e, portanto, são excluídas da socialização como um todo, gerando desde a evasão escolar até a exclusão do mercado de trabalho”, apontou o estudioso.

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O mercado de trabalho e a população LGBTIAP+

Em um estudo realizado com 672 pessoas trans em São Paulo, entre 2014 e 2015, 82,3% tinham algum vínculo de trabalho, 13,1% não estavam ocupados e 4,6% estavam fora do mercado de trabalho. No entanto, da parcela que tinha ocupação, apenas 16,7% estavam incluídos no mercado de trabalho formal. O professor Leandro Cunha defende que há ferramentas que tanto o Estado quanto iniciativas privadas podem desenvolver para mudar esta realidade. 

“O Projeto Transcidadania, da cidade de São Paulo, é exemplo de um programa que proporciona a reinserção social da população trans no mercado de trabalho. Há também projetos realizados por organizações como o TransEmpregos, que cria uma plataforma de conexão em quem busca o mercado e quem tem vagas”, elencou.

O último palestrante da manhã, o doutor e mestre em Direito Público pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Wallace Corbo, aponta que o mercado de trabalho é permeado por pré-concepções de gênero e sexualidade que afetam minorias sociais. “A sociedade brasileira vincula certas expectativas de gênero a certas funções e trabalhos. Homens afeminados, por exemplo, são atribuídos a determinados espaços. Usando o estereótipo mais comum, ele pode ser cabeleireiro, mas não pode ser juiz, policial, pois vai de encontro à expectativa de gênero dessas profissões”, enfatizou.

Em sua fala, o estudioso a inclusão de pessoas da sigla LGBTQIAP+ é importante, pois abre caminhos para que mais pessoas ocupem espaços. “O mercado de trabalho como um espaço que gera circulação de riqueza e acúmulo de capital também propicia a possibilidade de pessoas que, não inseridas no mercado de trabalho, enxergarem novos horizontes de possibilidades. Quando vemos um CEO, um juiz, uma desembargadora, um médico, uma advogada, parte do grupo LGBTQIAP+, isso dá a chance que pessoas dessa comunidade possam aspirar, sonhar com possibilidades de inclusão”, defendeu.

No entanto, tornar um ambiente de trabalho mais diverso não pode ser uma questão quantitativa. “Combater a LGBTfobia não é só contratar pessoas da sigla, é impor que empregadores adotem medidas ativas de desenho institucional que acolham pessoas LGBTQIA+. Criar comitês e dispositivos para acolher essas pessoas e promover a responsabilidade interna de quem comete atos LGBTfóbicos”, complementou Corbo.

O evento foi recebido com alegria pelos participantes presentes na conferência pelo aplicativo Zoom, mas também impactou o público que não havia se inscrito previamente no webinário, já que sua transmissão ocorria simultaneamente por meio do YouTube. “Estava passando pelo YouTube, por acaso ingressei para assistir e fui brindado com essa exposição profunda e tocante”, declarou o juiz do trabalho do TRT de Pernambuco (6ª Região), Pedro Ivo.

André Luiz Maia
Assessoria de Comunicação Social TRT-13