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Luta e resistência: as barreiras invisíveis que distanciam as pessoas trans das oportunidades no mercado de trabalho

29 de janeiro lembra o Dia da Visibilidade Trans e TRT-13 lança programa de inclusão voltado ao público LGBTQIA+
publicado: 29/01/2023 09h11 última modificação: 02/06/2023 12h46

Quantas pessoas transexuais e travestis você conhece? Quantas fazem parte de sua convivência diária? A resposta a essas perguntas pode sinalizar algo bastante significativo: o quanto pessoas que ousam ser diferentes do que a sociedade espera são ‘invisíveis’. Isso perpassa o acesso a direitos básicos, como educação e saúde, o que acaba reverberando em outras áreas da vida, incluindo a qualificação e a inserção no mercado de trabalho. Neste domingo (29) é o Dia Nacional da Visibilidade Trans, que chama a atenção para a resistência da comunidade.

Para celebrar a data, o Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba (13ª Região), em parceria com a Escola Judicial da 13ª Região, lançou, na última sexta-feira (27), o Programa Inclusão LGBTQIA+. Promovido pela Assessoria de Projetos Sociais e Promoção dos Direitos Humanos (Aspros) do Regional, o programa tem o objetivo de fomentar a empregabilidade e combater a discriminação contra essa população, principalmente em relação às pessoas trans. 

O lançamento, que ocorreu durante um evento alusivo à visibilidade trans, contou, também, com a transmissão de um vídeo que abordou a empregabilidade junto a este público. Confira um filme sobre o assunto.

Violência mata pessoas trans

Um dos grandes enfrentamentos da comunidade é a violência que seus integrantes sofrem constantemente. São violências tão extremas que chegam à morte. Conforme o dossiê “Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2022”, divulgado na última sexta (27) pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), foram registrados 131 assassinatos de pessoas trans no Brasil no período. Do total, 130 tiveram como vítimas travestis e mulheres transexuais e um homens trans e pessoas transmasculinas.

Entre as unidades da federação, a Paraíba registrou quatro assassinatos de pessoas trans em 2022, ficando em 16º lugar no ranking nacional. No entanto, um dado alarmante aponta a Paraíba como o 10º estado que mais mata transexuais no país, considerando o período de 2017 a 2022, quando foram mortas 31 pessoas trans no estado. O estado divide o triste pódio com os estados do Amazonas e Mato Grosso. “Sofremos diariamente a LGBTfobia. Muitas vezes, antes mesmo de saber quem somos, a discriminação já nos agride, fecha as portas do mercado e nos mata”, frisou a vice-presidente da Iguais Associação LGBT+, Karina Guedes.

O primeiro espaço de demonstração de violência contra pessoas trans é dentro da própria casa. A família, ao não aceitar seus filhos e filhas que se identificam com a transexualidade, age com violência física e psicológica, podendo resultar, até mesmo, em expulsão do lar. O Espaço LGBT, do governo do estado, oferta atendimentos psicossocial e jurídico a este público e, somente em 2022, foram atendidas mais de 150 pessoas trans em busca dos serviços ofertados pela unidade de João Pessoa, a exemplo da retirada gratuita de documentação básica com retificação do nome e gênero ou inclusão do nome social.

A violência, no entanto, tem sido uma preocupação constante. Conforme explicou o coordenador do Espaço LGBT, Kléber Marques, o atendimento psicoterapêutico viu sua demanda ser alterada drasticamente diante das restrições impostas pela pandemia da Covid-19. Se, antes, as escutas eram referentes à própria aceitação enquanto pessoas LGBT, atualmente os acompanhamentos são para auxiliar a lidar com a violência psicológica sofrida dentro de casa.

“A família acaba sendo o primeiro espaço de violência contra nossas identidades e formas de existir. Então, a obrigação de ficar em casa trouxe muitas repercussões na vida dessas pessoas pelas inúmeras violências que se passam e imposições que não condizem com o que somos. Associado a isso, o não acesso ao trabalho é um dos grandes marcadores que tem feito a população LGBT buscar acompanhamento aqui na unidade”, destacou.

Mercado excludente

Em relação à empregabilidade, levantamento da ONG Transgender Europe revela que 90% da população trans se encontram fora do mercado de trabalho formal e, dos 10% que se inserem, cerca de 7% não se sentem bem no trabalho e acabam pedindo demissão. “Por serem expulsas de casa, as pessoas trans acabam enfrentando problemas para se capacitar e qualificar. A rejeição da família se repete na escola e pouquíssimas chegam ao ensino universitário ou técnico. O acesso a profissão pelas pessoas trans é extremamente mais difícil do que as cisgênero”, salientou o vice-procurador regional do MPT, Eduardo Varandas.

A cabeleireira e maquiadora Kika Falcão comentou que, mesmo empregada formalmente há pelo menos 15 anos, ainda hoje passa por situações de desconforto. “É preciso muito jogo de cintura, coragem e determinação porque você já acorda dando a cara a tapa. É um jogo de resistência. Se o mercado de trabalho está competitivo para pessoas que se dizem ‘normais’, imagina para o mundo trans? Não é fácil lidar com a indiferença dos clientes. Temos de provar diariamente nossa capacidade”, disse.

A vice-presidente da Iguais Associação LGBT+, Karina Guedes, frisou que as pessoas trans que conseguem ‘furar’ a margem da sociedade ainda sofrem com a transfobia. “A sociedade quer nos enxergar na vulnerabilidade. Já vi casos de pessoas almoçarem no banheiro porque não se sentem bem naquele lugar ou de serem extremamente desrespeitadas por não terem retificado os documentos. São ataques diários”, afirmou.

Depois de passar por frustrações para trabalhar na própria área de formação, a travesti, multiartista e estilista Dorot Ruanne buscou emprego em áreas diversas. Embora tenha trabalhado formalmente em duas empresas, as experiências não foram as melhores. Em um dos empregos, por exemplo, teve de lidar com diversas transfobias, incluindo o desrespeito com o pronome. No segundo, mal ficou dois meses. “Desde a primeira semana, sofri violências e desrespeitos, ficando bastante desconfortável. Porém, quando finalmente tive coragem de informar a situação ao meu superior, fui ignorada. Dias depois, fui demitida”, revelou.

No entanto, ela encontrou uma forma de seguir trabalhando e, ao mesmo tempo, manter sua dignidade. “Comecei a desenvolver um trabalho de transmutação têxtil, que é reciclar, preservar e cuidar de peças de roupa. Formei a Casa da Baixa Costura, a primeira casa de Ballroom do estado, e abri as portas para outras travestis e pessoas trans para que a gente, enquanto coletividade, consiga minimamente sobreviver. Não é uma renda fixa, mas foi a solução que encontrei diante de tantas portas fechadas. Ser multiartista e autônoma é o que me faz estar viva até hoje”, relatou.

Projeto foca em capacitação e empregabilidade

A Alpargatas, por meio do Instituto Alpargatas, promove o projeto AlpaTrans, um programa de desenvolvimento profissional para pessoas trans, travestis e outras identidades de gênero que tem o objetivo de ampliar as oportunidades de ingresso e ascensão no mercado de trabalho.

Pelo menos cem pessoas trans das cidades de João Pessoa e Campina Grande já foram beneficiadas com a iniciativa, que promove, durante três meses, aulas de ensino da língua portuguesa, matemática e habilidades para a vida e para o trabalho. Somente da primeira turma, formada por 34 alunos, 25 foram contratados pela Alpargatas e nove optaram pelo empreendedorismo.

“Nós os preparamos para trabalhar não só na Alpargatas, mas, também, para empreender, de modo que eles façam o que quiserem e quando quiserem, porque é assim que deve ser. A Alpargatas faz um trabalho de inclusão e diversidade e acreditamos que nossa empresa tem que ser o melhor lugar para trabalhar”, destacou o diretor do Instituto Alpargatas, Berivaldo Araújo.

Uma das pessoas beneficiadas com a iniciativa foi Pedro Pontes, homem trans que, até participar do AlpaTrans, nunca havia trabalhado com carteira assinada. “O curso me deu novas experiências e aprendi coisas que não aprendi na escola. Foi gratificante participar do projeto e, agora que comecei a trabalhar, posso sonhar novamente. Sempre tive apoio da minha família e sei que muitas pessoas trans não têm esse vínculo. Ser aceito por ser quem sou me deixa muito feliz e sempre quero ter minha família perto de mim”, afirmou.

Por sua vez, Jefferson Edivan, que trabalha no setor de distribuição, disse que o curso expandiu sua mente para as diversas possibilidades da vida. “É muito bom poder chegar em casa e dizer que posso descansar em paz. Sei que esse dinheiro é fruto do meu suor e preciso dar valor a ele. O curso realmente mudou minha cabeça e me fez ter uma visão totalmente nova. Sou muito grato pela oportunidade”, disse.

Celina Modesto
Assessoria de Comunicação Social do TRT-13

 

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