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ecoLABORa reúne catadores de materiais recicláveis e discute sobre dignidade e segurança no trabalho

Evento foi momento de discussão sobre como instituições públicas e privadas podem se articular para auxiliar classe trabalhadora
publicado: 06/07/2023 12h08 última modificação: 25/08/2023 12h32

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Banda Baticumlata, da Emlur, fez uma apresentação especial na abertura do evento EcoLABORa

O Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba (13ª Região), através da Divisão de Inovação da Secretaria de Governança e Gestão Estratégica (SEGGEST), realizou na manhã sexta-feira (30) o ecoLABORa – Dignidade e Segurança aos Catadores de Materiais Recicláveis. O evento, que aconteceu no Auditório do Tribunal Pleno, foi um momento de discussão sobre como instituições públicas e privadas podem se articular para assegurar a dignidade e a segurança aos catadores de materiais recicláveis da Paraíba.

Na abertura, o público pôde ver uma apresentação do Baticumlata, grupo de percussão da Autarquia Especial Municipal de Limpeza Urbana (Emlur). Eles utilizam instrumentos confeccionados com base em descartes urbanos, criando diversos sons com base em materiais recicláveis, como plástico, metais e canos. “Foi uma maneira de ilustrar como a reciclagem do material descartado todos os dias por todos nós pode ter inúmeros fins”, explicou o chefe da Divisão de Inovação do TRT-13, Marcelo Moura.

A proposta do ecoLABORa foi se estruturar em dois momentos. No primeiro, a professora Maria de Fátima Ferreira de Araújo, da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), e o promotor de justiça José Farias de Souza Filho, do Ministério Público da Paraíba (MPPB), ambos considerados referências na temática da coleta de materiais recicláveis na Paraíba, promoveram um debate acadêmico e legal sobre a situação dos catadores de materiais recicláveis.

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Na palestra “Inclusão Socioeconômica de Catadores/as de Materiais Recicláveis e Reutilizáveis: Como garantir essa inclusão?”, a professora Maria de Fátima apresentou a legislação vigente que, em teoria, protegeria esta parcela da classe trabalhadora, em especial a Lei Federal 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, ressaltando que a categoria dos trabalhadores catadores de materiais recicláveis é reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) desde 2002, constando na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). No entanto, a situação de precariedade em que este trabalho chama a atenção.

“É preciso que se pague pelo serviço. Como é que a gente pode falar sobre a inclusão socioeconômica dos catadores se ele só sobrevive apenas da venda dos resíduos que eles coletam? Os catadores que estão aqui presentes vão poder contar bem melhor a situação, mas o preço da venda dos recicláveis é muito baixa, eles não recebem quase nada. A cada ano que passa está cada vez mais difícil”, enfatizou a acadêmica.

O promotor de justiça José Farias de Souza Filho reforçou a mensagem durante sua palestra, intitulada “(Re)Educação Ambiental para Implementação de Coleta Seletiva”. “Não pode haver trabalho gratuito, muito menos para o serviço público. Ora, se o município contrata uma empresa para coletar os resíduos de porta em porta e levar pro aterro sanitário e ainda contrata outra empresa para enterrar, por que os catadores iriam fazer o mesmo serviço de graça? Não existe isso! E a Justiça do Trabalho jamais reconheceria isso”, salientou o representante do MPPB, reforçando que o Poder Público tem a obrigação de contratar.

O presidente do TRT-13, Thiago Andrade, que estava presente no evento, se comprometeu a fazer o pagamento às associações de catadores que recebem os materiais recicláveis descartados pelo Regional. “Vamos fazer o estudo e preparar a documentação, mas creio que será plenamente possível remunerar de maneira justa a quem faz este trabalho digno”, informou. José Farias também ressaltou em sua fala que a Lei de Licitações, de número 8.666, foi alterada para dispensar o processo de licitação a associações ou cooperativas de catadores que prestem serviços a instituições públicas, o que desburocratiza ainda mais o processo.

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Precariedade e situação insalubre

O segundo momento da manhã foi uma roda de conversa com lideranças dos catadores da Grande João Pessoa. Foi a oportunidade de entender o papel e as necessidades destes profissionais no ecossistema da destinação dos resíduos sólidos da cidade.

Os relatos foram duros, mas necessários para que fosse possível entender a urgência da situação. A catadora Maria Dyonnes Pereira, da Associação Acordo Verde-JP, alertou sobre o ambiente insalubre e as péssimas condições de trabalho pelas quais a categoria é submetida. “A gente está trabalhando dentro da lama. Não tem uma lâmpada pra gente ligar, é tudo no escuro. Parede dando choque, é caixa de luz exposta. A gente está trabalhando numa verdadeira pocilga. A gente está aqui todo mundo com micose, com problema de pele. Essa é a nossa situação”, denunciou. 

Maria também se queixa da remuneração paupérrima, com pagamentos cada vez menores. “Quanto aos materiais, todo mês a gente vai vender e o preço abaixa. Garrafa de água sanitária e PVC a gente não vende mais e os produtos que vendemos, os preços caem a cada semana. Papelão a gente ultimamente está vendendo a R$ 0,30 o quilo. Isso se estivermos fardado, pois sem ela vende a R$ 0,15”, relatou, mostrando o colete que ela e outros colegas na plateia estavam vestindo, fornecidos pela Emlur.

Por não receberem um pagamento fixo pelo serviço, ganhando apenas o dinheiro da venda do material coletado, uma manhã fora do trabalho pode ter um impacto danoso na arrecadação mensal. No entanto, Dyonnes acredita que eventos como o ecoLABORa são importantes para fortalecer a categoria. “Nós somos invisíveis, por acaso? Olha, a gente está aqui, não está? O galpão tá lá, a gente não está na rua e a gente perde com isso, mas a gente tem que participar das coisas, a gente tem que estar por dentro de tudo. Este evento que está tendo aqui é para ver essa situação mudando, mas cadê? A gente está ficando de cabelo branco. Talvez só a futura geração vai ver algo mudando. A gente era escravizado, não sabia nem vender os produtos, hoje a gente abre o olho por causa da professora Fátima, que está aqui”, disse, apontando para a acadêmica da UEPB que havia palestrado há pouco.

Kelvin Santos, da Associação dos Catadores de Recicláveis de João Pessoa (Ascare), diz que esta situação precária, que também acontece na sua associação, impede que eles sejam contratados na maioria das vezes por não estarem aptos a conseguirem as autorizações e documentações necessárias. “Tem que ter a licença do bombeiro, mas quando o bombeiro chega lá e olha o estabelecimento, as nossas condições, eles negam, dizem que não tem condições de um ser humano trabalhar ali”, lamentou.

O catador de material reciclável acredita que a situação se agravará ainda mais, já que a situação da coleta poderá passar por uma mudança em breve. “Querem implantar um projeto, onde vão colocar gente lá dentro do distrito e vão fazer as coleta por eles mesmos, feita pelo próprio poder público, pra despejar lá pra nós o que eles quiserem. Está entendendo? Essa aí é uma verdade que está acontecendo em relação a nós”, relatou.

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Em nota enviada pela Emlur à ACS, a autarquia explica como será o procedimento:

“A Autarquia Especial Municipal de Limpeza Urbana (Emlur) está trabalhando, em parceria com o Ministério Público da Paraíba, para fazer cumprir a Lei Estadual de número 10.041/2013, que determina a coleta seletiva de resíduos em todas as edificações residenciais com mais de três pavimentos. Conforme o artigo primeiro da lei, é obrigação dos condomínios disponibilizar recipientes para coleta seletiva. O serviço, que antes era prestado pelas associações de catadores assistidas pela Emlur, passou a ser feito também pela Autarquia, com a utilização de veículos adequados a coletar grande quantidade de materiais recicláveis. As associações de catadores atendem 13 bairros de João Pessoa: Mangabeira, Jardim Cidade Universitária, Jardim São Paulo, Colibris, Bancários, Jardim Oceania, Bessa, Aeroclube, Cabo Branco, Tambaú, Bairro dos Estados, Pedro Gondim e Treze de Maio. Com a coleta mecanizada da Emlur, as associações têm acesso a uma maior quantidade de materiais recicláveis para comercializar. A adesão ao serviço de coleta seletiva é por meio do Programa Prefeitura Conectada”.

Dando continuidade ao evento, a catadora Maria Dyonnes tomou a fala novamente e enfatizou a importância do papel social exercido pela classe trabalhadora dos catadores de materiais recicláveis. "Não somos lixeiros, somos ambientalistas, dos bons, mas não somos valorizados de jeito nenhum. Botamos a mão no material cheio de larva, de sujeira, de imundície e não somos pagos por isso", pontuou a catadora da Associação Acordo Verde-JP.

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Iniciativas privadas

Quem também esteve presente no ecoLABORa foi o presidente da Associação Paraibana de Fomento à Reciclagem de Resíduos Sólidos, Eduardo Auada. O jovem empreendedor começou a observar que não havia coleta seletiva no condomínio em que morava e que isso o motivou a buscar ações que pudessem mudar aquele cenário. “Isso era 2022 e vi que em nenhum círculo de pessoas que eu convivia havia essa preocupação”, completou.

Eduardo trouxe um fato que chama a atenção, relativo ao índice de reciclagem no Brasil. “Hoje está em torno de 4%, ou seja, de tudo o que é produzido pela indústria nacional de embalagens, apenas 4% é reciclado. Desses 4%, 90% deles passou pela mão de vocês”, ressaltou, apontando para os catadores presentes na plateia. “Só existem esses 4% por causa de vocês, se não fosse o trabalho de vocês, seria 0%, não teria reciclagem no Brasil”, completou Auada.

Diante desta situação, ele decidiu abrir uma empresa focada em condomínios, que apoia a gestão de resíduos destas configurações habitacionais. “A gente faz com que o condomínio lide com os resíduos de forma correta, para que eles cheguem até vocês da melhor forma possível, com qualidade e devidamente limpos”, comentou o empreendedor. O processo de educação ambiental promovido pela empresa atingiu moradores, empregadas domésticas e funcionários dos condomínios. Em um período de seis meses, foram quase mil pessoas treinadas. 

Na avaliação de Eduardo Auada, um dos grandes problemas da reciclagem no Brasil é a falta de integração entre todos os entes. “Você tem de um lado a associação de catadores, do outro lado o poder público, do outro lado a iniciativa privada e essas instituições não se conversam, não existe parcerias duradouras. Eventos como o ecoLABORa são importantes para tentar promover essa discussão. Eu quero muito aprender com vocês, absorver tudo que vocês já tem de conhecimento e crescermos juntos”, completou.

André Luiz Maia
Assessoria de Comunicação Social TRT-13

 

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