
3888/2024
Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região 181
Data da Disponibilização: Sexta-feira, 12 de Janeiro de 2024
signos contidos nos textos legislativos à vontade do legislador
expressa através de tais signos”. (Positivismo Jurídico: Lições de
filosofia do Direito, 1996. Pág. 213)
Nesse mister interpretativo, onde se busca compreender e adequar
da melhor forma o texto legal a um fato concreto, ganha relevo O
método de interpretação teleológico, que tem como foco o fim a que
a norma se dirige, sem olvidar do imperativo de não se desprezar
valores afetos à exigência do bem comum, o ideal de justiça, a
ética, a liberdade, a igualdade, a exemplo do disposto no artigo 5º
da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Assim, entende-se que, para o esclarecimento da real natureza
jurídica da relação de trabalho neste caso concreto, que se exercita
numa relação triangular envolvendo a plataforma da Uber, o
motorista e o cliente, é necessário ressignificar, a partir da nova
realidade, os conceitos clássicos dos elementos fáticos–jurídicos da
relação empregatícia contidos no artigo 3º da CLT.
A exigência de que somente a pessoa natural ou física pode ser
caracterizada como empregado não oferece nenhuma dificuldade
de compreensão.
Conforme ensina o doutrinador Mauricio Godinho Delgado:
“A prestação de serviço que o Direito do Trabalho toma em
consideração é aquela pactuada por uma pessoa física (ou natural).
Os bens jurídicos (e mesmo éticos) tutelados pelo Direito do
Trabalho (vida, saúde, integridade moral, bem-estar, lazer, etc.)
importam à pessoa física, não podendo ser usufruído por pessoas
jurídicas. Assim, a figura do trabalhador há de ser, sempre, uma
pessoa natural” (Curso de Direito do Trabalho, Mauricio Godinho
Delgado, 7ª edição, LTR, pág 291.)
No presente caso, não há dúvidas quanto à presença desse
primeiro elemento a partir do que está expresso no “Termos e
condições Gerais dos Serviços de Tecnologia”, atualizado
recentemente, aplicável a todos os usuários e não apenas ao
reclamante, cuja introdução está assim escrita:
"Você" é uma pessoa física dedicada à prestação de serviços de
transporte ("Motorista"), e "nós" somos a Uber do Brasil Tecnologia
Ltda., sociedade de responsabilidade limitada, estabelecida no
Brasil, com sede na Av. Juscelino Kubitscheck, nº 1909, 12º, 14º e
15º andares, salas 121, 141 e 151, São Paulo/SP, inscrita no CNPJ
sob nº 17.895.646/0001-87. A sua relação conosco na qualidade de
Motorista será regida por estes Termos e Condições Gerais dos
Serviços de Tecnologia ("Termos") e, ao clicar em "Sim, eu
concordo", Você manifesta expressamente sua vontade de se
vincular a estes Termos, assim como aceita todas as disposições
aqui contidas.”
Registre-se que as cláusulas que se seguem refletem um contrato
de adesão sem nenhuma possibilidade de alteração ou
inobservância dos termos fixados unilateralmente pela empresa.
O segundo elemento, a pessoalidade, visa a determinar que a
relação de emprego estabelecida com a pessoa natural tenha
caráter intuitu personae, onde a prestação de serviços será
realizada unicamente pelo próprio empregado.
Explica Mauricio Godinho Delgado que:
“É essencial à configuração da relação de emprego que a prestação
do trabalho, pela pessoa natural, tenha efetivo caráter de
infungibilidade, no que tange ao trabalhador. A relação jurídica
pactuada – ou a efetivamente cumprida – deve ser, desse modo,
intuitu personae com respeito ao prestador de serviços, que não
poderá, assim, fazer-se substituir intermitentemente por outro
trabalhador ao longo da concretização dos serviços pactuados”.
(Curso de Direito do Trabalho, Mauricio Godinho Delgado, 7ª
edição, LTR, pág 292.)
Nesse ponto, registro que o fato de que "a reclamada aceita que
dois ou mais motoristas usem o mesmo carro” em nada altera a
pessoalidade, porque que o veículo é apenas um instrumento, o
instrumento de trabalho, sendo certo que através de um
malabarismo engenhoso a própria Uber, em sucessivas alterações
ou atualizações dos respectivos normativos, criou a figura do
“parceiro gestor” visando por óbvio tentar afastar a pessoalidade.
Todavia, contraria os normativos constantes dos autos a alegação
de que o motorista poderá se fazer substituir na medida em que
cada motorista é individualmente cadastrado para tal, inclusive com
identificação facial, conforme está claro no item 6.2 do Termos
Gerais, atualizado em 2020, assim vazado:
(…) Não compartilhe tais credenciais com ninguém, nem permita
que outros as utilizem para usar nosso Aplicativo de Motorista, e
nos avise imediatamente se acreditar que alguém as tenha
acessado em seu lugar...”
Observa-se, no item “de segurança, licenciamento e
documentação”, a advertência direcionada ao motorista nos
seguintes termos:"Você também deverá possuir e manter a todo
tempo todas as demais licenças, permissões, aprovações e
autorizações necessárias para o fornecimento de serviços de
transporte de passageiro na sua região.”
Vislumbra-se, portanto, em tais requisitos, o elemento pessoalidade
e o caráter de infungibilidade quanto ao trabalhador. É o que se
extrai, inclusive, da obrigatoriedade de confirmação de
reconhecimento facial do motorista, o qual, segundo o preposto da
ré se trata de medida de segurança, mas não afasta o caráter
personalíssimo da prestação do serviço, inclusive a ser confirmado
pelo usuário do aplicativo:
“que eventualmente a Uber pede o reconhecimento facial dos
motoristas, por motivos de segurança; que não é possível nem
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