
3757/2023
Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região 314
Data da Disponibilização: Terça-feira, 04 de Julho de 2023
Diz que requereu administrativamente a redução de 50% de sua
jornada de trabalho, para dar assistência e acompanhar a sua filha
nas terapias, sem compensação e/ou redução salarial, conforme
prevê a legislação, porém, até agora, queda-se inerte o órgão
administrativo da empregadora, prejudicando, destarte, o seu
legítimo direito.
Assim, em sede de tutela de urgência, postula a “redução de carga
horária em 50% (cinquenta por cento) da atual, ou seja, de 36 (trinta
e seis) horas semanais para 18 (dezoito) horas semanais”, a fim de
viabilizar a manutenção dos cuidados com sua filha. Requer, ainda,
que o cumprimento da carga horária seja no período noturno.
Passo a decidir.
No caso em exame, a verossimilhança das alegações emanam da
documentação anexada à petição inicial, que atesta o diagnóstico,
bem como, demonstra a resistência da empresa reclamada em
acolher o pleito no âmbito administrativo, ressalvando, apenas, a
impossibilidade de atender o pleito, diante da ausência de amparo
legal. Assim sendo, presentes os requisitos do artigo 300 do Código
de Processo Civil, eis que incontroversae comprovada a condição
de saúde da criança, filha da reclamante, que demanda cuidados
especiais e vigilância constante, havendo, assim, de forma evidente,
a necessidade de acompanhamento pessoal e familiar durante os
tratamentos específicos, de modo a viabilizar o máximo
desenvolvimento e integração psicossocial.
Na esteira da jurisprudência, em casos semelhantes, o objeto da
presente reclamação transcende os aspectos da relação trabalhista
entre as partes, regrada pelas disposições legais da CLT, além de
eventual regulamento interno da empresa pública reclamada.
O artigo 140, caput, do Código de Processo Civil dispõe que “o juiz
não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade
do ordenamento jurídico”. Assim sendo, impõe-se buscar nas fontes
do direito a solução mais adequada para o litígio.
No caso concreto, tendo em vista a causa de pedir e a finalidade
específica da medida, a presente análise seguirá diretriz à luz dos
direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal, marcante
no amparo à dignidade da pessoa humana, que não permite
retrocesso, sobretudo no tocante ao direito à saúde da criança, que
assevera a impositiva conjugação de esforços e o dever da família,
do Estado e da sociedade de assegurá-lo.
O artigo 227 da Carta Magna dispõe que ”É dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão."
A inexistência de previsão legal expressa na CLT, não constitui
impedimento à efetividade da diretriz constitucional, de modo a
afastar o reconhecimento do direito postulado, pois nem todas as
situações fáticas são passíveis de alcance pela legislação
específica, não podendo, a lacuna normativa tornar-se óbice
intransponível para a concretização de direitos, quando
configurados como fundamentais no ordenamento jurídico.
Destarte, embora a legislação trabalhista não contenha expressa
possibilidade de redução de horário, sem a respectiva
compensação ou redução salarial, o pleito autoral encontra guarida
no princípio da proteção integral da criança com deficiência, que
adquiriu status de direito fundamental com a promulgação da
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, efeito do Decreto nº 6.949/2009, de 25/08/2009
Ante o exposto, em sede de tutela de urgência, entende-se que a
reclamante Julia Vitória Balbino dos Santos é genitora de criança
acometida de Transtorno do Espectro Autista/Transtorno Global do
Desenvolvimento, pelo que, é detentora do direito de acompanhar
pessoalmente toda rotina de tratamento médico e de atividades
multidisciplinares de estimulação da criança, de modo a garantir a
sua dignidade, sua autonomia e facilitar a sua participação ativa na
comunidade, dado que essa medida se revela totalmente
compatível com os bens e valores da Constituição Federal e com a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009.
Contudo, no âmbito do poder geral de cautela (art.301, CPC), à
mingua de regramento legal expresso e tendo em vista a finalidade
específica do pleito formulado pela reclamante, é imperioso
estabelecer obrigações recíprocas a serem observadas e cumpridas
pelas partes, de modo a prevenir danos e evitar qualquer
desvirtuação no exercício do direito ora pleiteado pela autora.
Neste sentido, impõe-se determinar que a empresa reclamada
proceda, no prazo de 10 (dez) dias, a adequação das escalas de
serviço da reclamante, com a fixação de horário observando a
redução de 50% da jornada de trabalho, de modo compatível em
atendimento prioritário das atividades multiprofissionais necessárias
ao tratamento da criança.
De outra parte, impõe-se à reclamante o direito/dever de dispor da
redução de jornada concedida, exclusivamente para a finalidade
postulada, objeto da presente ação, ficando, desde logo, ciente
desta obrigação, restando vedado, sobretudo, firmar vínculo de
trabalho durante o horário da jornada reduzida já remunerada pela
empregadora reclamada, sob pena de desvirtuação da finalidade.
descaracterizando-se a coparticipação, com fundamento no artigo
227 da Constituição Federal de 1988 c/c o disposto nos artigos 4º e
Código para aferir autenticidade deste caderno: 201738